ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS PARA LEITURA DE "FITA VERDE NO CABELO", DE GUIMARÃES ROSA
Antes da leitura:
Chamar a atenção para o subtítulo do conto. Por que “nova velha história”?
Ressaltar o estilo rosiano; prosa poética, uso de neologismo, universalização. (Por conta do estilo peculiar de Guimarães Rosa, sugere-se que esse texto seja trabalhado no 3º ano do EM, depois de os alunos já conhecerem um pouco do autor).Se estiverem com o livro, chamar a atenção também para as ilustrações. Em que medida elas formam, informam ou deformam a compreensão do texto?
Fita Verde No Cabelo (Nova velha história)
Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam.
Todos com juízo, suficientemente, menos uma meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um dia, saiu de lá, com uma fita inventada no cabelo.
Sua mãe mandara-a, com um cesto e um pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia. Fita - Verde partiu, sobre logo, ela a linda, tudo era uma vez. O pote continha um doce em calda, e o cesto estava vazio, que para buscar framboesas.
Daí, que, indo no atravessar o bosque, viu só os lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo nenhum, desconhecido, nem peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo. Então ela, mesma, era quem dizia: "Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que a mamãe me mandou". A aldeia
e a casa esperando-a acolá, depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente não vê que não são.
E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo e não o outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra também vindo-lhe correndo, em pós.
Divertia-se com ver as avelãs do chão não voarem, com inalcançar essas borboletas nunca em buquê nem em botão, e com ignorar se cada uma em seu lugar as plebeinhas flores, princesinhas e incomuns, quando a gente tanto passa por elas passa. Vinha sobejadamente.
Demorou, para dar com a avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu:
-"Quem é?"
-"Sou eu..." - e Fita Verde descansou a voz. - "Sou sua linda netinha, com cesto e com pote, com a Fita Verde no cabelo, que a mamãe me mandou."
Vai, a avó difícil, disse: - "Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus a abençoe."
Fita Verde assim fez, e entrou e olhou.
A avó estava na cama, rebuçada e só. Devia, para falar agagado e fraco e rouco, assim, de ter apanhado um ruim defluxo. Dizendo: -"Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de mim, enquanto é tempo."
Mas agora Fita Verde se espantava, além de entristecer-se de ver que perdera em caminho sua grande fita verde no cabelo atada; e estava suada, com enorme fome de almoço. Ela perguntou:
-"Vovozinha, que braços tão magros, os seus, e que mãos tão trementes!"
-"É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha neta...." - a avó murmurou.
-"Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados".
-"É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta..." - a avó suspirou.
-"Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido?"
-"É porque já não estou te vendo, nunca mais, minha netinha...." - a avó ainda gemeu.
Fita Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez.
Gritou: - "Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!..."
Mas a avó não estava mais lá, sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo.
Guimarães Rosa
Durante a leitura:
Promover a leitura compartilhada, fazendo as inferências necessárias;
Ir pontuando as características de estilo de Guimarães Rosa
durante a leitura. Por exemplo: o neologismos – velhavam, agagado, encurtoso, inalcançar; o prosa poética – 4º parágrafo;
Depois da leitura:
Provocar a reflexão sobre o texto através de questionamentos:
O texto de Rosa dialoga com qual outro texto da literatura universal (intertextualidade com Chapeuzinho
Vermelho)? Em que eles se aproximam ou se distanciam?
Por que a fita era “verde” e “inventada”? Esse questionamento abre a reflexão sobre a temática do texto, ou seja, o processo de crescimento da menina (verde = imaturidade; inventada = que pertence ao mundo da imaginação). Tal processo evidencia-se por pistas linguísticas, a saber:
• “Todos com juízo, suficientemente, menos uma meninazinha, a que por enquanto.” A menina ainda não tinha juízo, ou seja, ainda estava na fase da infância. Ressalta-se a expressão “tudo era uma vez” (2º parágrafo);
• “e o cesto estava vazio, que para buscar framboesas.” O cesto vazio metaforiza tudo o que a menina ainda tinha a aprender.
• “depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente não vê que não são.” A palavra “moinho” metaforiza a passagem do tempo, isto é, do crescimento da menina.
• “Fita Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez.” Essa expressão confronta o primeiro parágrafo, quando a menina ainda não tinha maturidade (juízo).
• “Gritou: - "Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!..." Questionar o que a palavra Lobo (grafada com maiúscula) pode significar no contexto da trama (medo do desconhecido, da vida, da passagem da infância para a adolescência? São possíveis reflexões.)
Obs. É interessante que o professor faça a leitura do anexo 1 – Uma leitura do conto “Fita Verde no Cabelo”, de Guimarães Rosa, por Érica Antunes.
Como leitura de fruição, depois da análise feita do conto de Guimarães Rosa, sugere-se a leitura de Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque.